Usar derivados da cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, para obter tratamentos personalizados para cada paciente, com foco em doenças como epilepsia, esquizofrenia, TOC e Alzheimer, entre outras. Este é o objetivo da startup Laboratório IDOR, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, que participa do Lean Startup Program e foi criada por pesquisadores do instituto a partir de estudos biomédicos que vêm sendo desenvolvidos lá desde o início da década.
Segundo Rodrigo Madeiro, biólogo com doutorado em bioquímica e pós-doutorado em neurociência, a ideia da startup veio naturalmente do trabalho em constante evolução no instituto.
— Essa é uma das nossas linhas de pesquisa, e começou com os estudos celulares e moleculares de uma forma de epilepsia, a epilepsia de Dravet, que tem entre seus tratamentos o uso de canabidiol, derivado da cannabis — diz Rodrigo. — Então começamos a debater se não seria viável transformar esse tipo de abordagem num produto ou serviço.
Até porque a planta toda pode ser usada com fins medicinais, se obtida licença para isso, atalha Marília Guimarães, professora da UFRJ formada em Ciências Biológicas com mestrado e doutorado em neurociência e pós-doutorado em farmacologia molecular.
— Uma outra inspiração para o serviço foram as descobertas feitas aqui sobre a zika, cujo vírus infecta os neurônios em desenvolvimento das crianças. Estudamos esse mecanismo e foi criado um modo de testar como fármacos nas células poderiam intervir contra a doença — explica Marília. — Inclusive houve demanda de indústrias farmacêuticas por esses testes. Casando as duas pesquisas, começamos a pensar num jeito de empacotar melhor esse serviço e direcioná-lo para os pacientes.
O método para chegar a possíveis tratamentos personalizados é de fato fascinante. Quem explica é Daniel Furtado, biomédico com doutorado em bioquímica e biologia molecular e gestor de Inovação do Instituto D’Or:
— A base dos tratamentos customizados é a reprogramação de células-tronco. Por meio de exames de urina ou da extração de um pedacinho de pele do paciente, obtêm-se suas células e elas são reprogramadas com a inserção de um vírus que funciona como um cavalo de Troia dentro delas — conta Daniel. — Com esse processo, as células são reprogramadas e fazem uma espécie de viagem no tempo, retornando a seu estado quando a pessoa ainda era um embrião.
A partir daí, é possível identificar a origem do problema, em geral genética. Os pesquisadores transformam a célula-tronco reprogramada num neurônio e o comparam com o neurônio do paciente, observando os problemas no seu desenvolvimento.
— Com isso, conseguimos saber que derivados ou extratos da cannabis funcionam melhor para aquele paciente — diz Daniel.
Lean Startup Program: Uma lição importante
No fim de maio passado, o Laboratório IDOR participou, junto com mais de 30 empresas nascentes, do início do Lean Startup Program, parceria da Universidade da Califórnia em Berkeley (UC Berkeley), via Instituto de Educação para Empreendedores (IEPE), com a Alumni Coppead, associação de ex—alunos do Instituto Coppead da UFRJ. E as aulas ministradas pelos professores do Innovation Acceleration Group (IAG) de Berkeley levaram a startup a um horizonte diferente do que eles haviam imaginado a princípio. O que, diga-se de passagem, é um dos objetivos do método: fazer as empresas nascentes irem ao mercado, buscando entrevistas com dezenas de clientes em potencial, para identificar seu real público-alvo e validar seu modelo de negócio, refinando o produto ou serviço a ser oferecido.
— Mergulhar na metodologia do Lean Startup Program nos deu um novo insight — reconhecem Daniel e Rodrigo. — Fizemos 22 entrevistas até agora, com pacientes e familiares, e detectamos que um tratamento como esse não é prioridade para eles neste momento. Não seria aquele “must have” (“tenho que ter”, em tradução literal) preconizado pelo Lean Startup.
Os principais motivos são o desejo de testar remédios mais à mão, imediatos, e principalmente o custo do tratamento personalizado, que poderia ser muito alto (chegando à casa dos cinco dígitos).
Assim, o foco dos sócios mudou, e agora eles avaliam a possibilidade de oferecer o serviço num mercado futuro de produtores de extratos da cannabis, com empresas operando no Brasil.
— Imaginamos que eles precisarão padronizar esses extratos, e desse modo poderíamos prestar um serviço testando se eles são funcionais para determinadas doenças — explica Daniel. — As próximas entrevistas que fizermos serão importantes para corroborar se este é de fato o caminho, pois se trata de um mercado que ainda não existe no Brasil.
O Lean Startup, portanto, serviu para o laboratório ajustar seu foco e apontar numa nova direção: como deverá funcionar o mercado de produção medicinal de derivados da cannabis no país e que papel as pesquisas customizáveis desenvolvidas no IDOR poderão desempenhar nele. Certamente um desafio que vale a pena abraçar.