Uma das mais interessantes startups a fazer parte do Lean Startup Program no Rio de Janeiro é o Banco Maré. Tudo começou em agosto de 2010, com apenas um homem e um laptop. Sentado numa cadeira infantil, retirada de uma escola abandonada, o analista de sistemas especializado em mídias digitais Alexander Albuquerque iniciou a startup na comunidade homônima, pesquisando a vida financeira da população local. Percebeu que muitos não tinham conta bancária e que havia uma demanda para um serviço de pagamentos dentro do Complexo da Maré.
E a pesquisa foi se aprofundando, conta o diretor financeiro (CFO, em inglês) do banco, Benjamin Druin, um economista francês que se apaixonou pelo Rio e deixou um alto posto numa empresa de óleo e gás para apostar na startup criada por Alexander.
— O Brasil é um dos países com pior educação financeira no mundo, pior até que países como Costa Rica ou Gabão — diz Benjamin. – E, nas comunidades como a Maré, vimos que poderíamos oferecer um serviço para mitigar essa situação. Nasceu assim o Banco Maré, que é um aplicativo gratuito para celulares (com o sistema Android) que permite pagamentos, depósitos e compras por meio de uma moeda virtual criptografada, batizada de Palafita, em homenagem à comunidade.
O Banco Maré tem três postos de atendimento no complexo, e seu foco é duplo. Em primeiro lugar, a população pode ir aos postos para pagar suas contas pelo sistema do banco, e fazer depósitos em dinheiro para ser convertido na moeda virtual.
— É muito mais prático para quem vive aqui. Os bancos mais próximos ficam em Bonsucesso, e a pessoa leva uma hora para ir e voltar de lá de ônibus (descontando engarrafamentos e filas nas agências) — diz Benjamin. – Com o Banco Maré, as pessoas podem pagar as contas perto de casa, inclusive boletos que estiverem atrasados. Fazemos a atualização para o cliente.
Em segundo lugar, como a absoluta maioria das compras da população local é feita na própria Maré, o aplicativo serve como uma ponte entre os comerciantes e os fregueses — os celulares fazem a transação se comunicando pela internet. Que já está mais do que espalhada pela comunidade, seja via Wi-Fi ou por meio de pacotes de dados pré-pagos, conta Vitor Kneipp, responsável pelo desenvolvimento de negócios e assessoria jurídica do Banco Maré.
— Isso não é um problema, de fato — conta Vitor, que, junto com Benjamin, lembra que os correntistas foram chegando aos poucos. — No primeiro mês, foram movimentados apenas R$ 46. Agora, já são mais de 3 mil correntistas, e a movimentação nos dez meses de lá para cá foi de aproximadamente R$ 2 milhões, 80% dos quais em 2017.
O escritório e a matriz da startup funcionam dentro da comunidade, na escola abandonada citada no início do texto, que fica num sobrado em cima da Associação de Moradores do local. Está sendo reformada aos poucos, pelos próprios sócios. Os outros postos são próximos e ficam em locais de grande acesso, permitindo o pagamento de contas e outras transações com rapidez.
E por que o uso de uma criptomoeda como a Palafita? De acordo com Benjamin, a vantagem é que ela permite total rastreabilidade e assim permite acompanhar todas as transações feitas pelos correntistas do Banco Maré.
— Diferentemente do Bitcoin, a moeda virtual mais conhecida e não muito transparente, queremos total transparência nas operações com a Palafita, que podem nos fornecer dados valiosos sobre como as pessoas lidam com seu dinheiro — explica. — Assim, podemos medir as reputações financeiras dos clientes e também nos guarnecer contra qualquer atividade ilegal.
Com esse controle, será possível oferecer microcrédito a juros baixos futuramente nas operações do banco — uma demanda local, como veremos abaixo.
Impacto do Lean Startup Program
Em maio, o Banco Maré participou, junto com mais de 30 empresas nascentes, do início do Lean Startup Program, parceria da Universidade da Califórnia em Berkeley (UC Berkeley) via Instituto de Educação para Empreendedores (IEPE), com a Alumni Coppead, associação de ex-alunos do Instituto Coppead da UFRJ. Segundo Vítor, as aulas dadas pelos professores do Innovation Acceleration Group (IAG) ajudaram a refinar bem o objetivo da startup e a validar seu modelo de negócio, fazendo-os sair cada vez mais da sede e mergulhar no mercado em torno.
— Já fizemos 25 entrevistas nas últimas três semanas, e pretendemos chegar perto de 100 — explica ele. — Com as dicas para prospectar melhor o mercado e os clientes, procurando conhecê-los a fundo e procurando testar várias hipóteses, chegamos a quatro conclusões principais: 1) Descobrimos, como comentei, que as pessoas aqui têm internet, seja pré-paga ou Wi-Fi, e nossas soluções se aplicam ao cenário sem problemas; 2) As pessoas gostariam muito de ter uma oferta de microcrédito, que pode vir a ser um serviço agregado no futuro; 3) As pessoas querem pagar, de fato, por conveniência e segurança, sem ter que atravessar a passarela na Avenida Brasil e pegar um ônibus para ir aos bancos em Bonsucesso, correndo risco de assalto; e 4) Descobrimos também que há imensa capilaridade dos serviços de venda de cosméticos de porta em porta na comunidade, o que pode abrir um novo mercado de pagamentos para nós.
Segundo Vítor, à medida que o banco for se aprofundando nos achados, novos campos se abrirão para a startup.
— O Lean Startup Program está sendo uma excelente alavanca para nós — diz.
Os treinamentos continuam, agora virtualmente, pelo ambiente de colaboração on-line Slack, com apresentações e debates no método Lean Startup, inclusive com participação das demais startups envolvidas.
Entre os planos futuros do Banco Maré, está a criação de um cartão pré-pago em parceria com a bandeira MasterCard, que permitirá pagamentos dos correntistas nas maquininhas usuais nos pontos de venda; e mais para diante, os sócios pensam em criar uma escola de programação para jovens da comunidade na própria sede do banco — jovens que poderiam depois ser contratados para trabalhar na própria startup.
No momento, o Banco Maré não cobra qualquer tarifa dos correntistas pelo uso de seus serviços. É tudo gratuito, visando a fomentar a educação financeira na comunidade (e possivelmente em outras, mais adiante). Qualquer ideia de cobrança de tarifas (mensal ou por transações), ainda está bem no futuro, apesar de os termos de uso do app a contemplarem.
Confira abaixo a entrevista com os sócios!